sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Messias, o Ateu - parte 1

Todos os dias ele cumpria o mesmo ritual. Acordava às seis da manhã, escovava os dentes com calma, tomava um banho de cinco minutos e vestia a roupa limpa e passada que estava separada num cabide desde a noite anterior. Tomava o café da manhã numa padaria do centro, assistindo ao telejornal matinal. Dois pães com manteiga na chapa e um suco de laranja. Não gostava muito de café por causa da sensação de calor que deixava na boca. Preferia as bebidas frias e refrescantes.

A vida de Messias era simples e previsível. Era assim que ele se sentia bem. Não era nenhum sociopata excêntrico. Gostava de viajar e de sair com os amigos, eventualmente. Entretanto, procurava sempre manter controle sobre todos os aspectos da sua rotina. Uma vida sem sobressaltos era sinônimo de felicidade para aquele pacato funcionário público.

Até o dia em que Antonio, um primo simpático e falastrão, o visitou no trabalho para pedir um favor. Enquanto o contrariado Messias ia até a sala do Diretor para providenciar os papéis e se livrar logo daquela inconveniência, Antonio aproveitava para puxar conversa com os colegas de trabalho de seu primo.



- Esse Messias é um grande sujeito. Sempre pronto a ajudar a família. - disse ele para Clotilde, uma senhora de meia-idade, com coque no cabelo e óculos bifocal, que se sentava na mesa ao lado de Messias.

A mulher se limitou a olhá-lo por cima dos óculos, com uma expressão de tédio. Antonio ignorou os sinais evidentes de desinteresse e prosseguiu em seu monólogo:

- Quem diria que um cara tão bacana não acredita em Deus, não é mesmo? Ainda mais com um nome desses. Que ironia!

A letargia da mulher desapareceu instantaneamente. Seus pequenos óculos de leitura saltaram do rosto e ela se inclinou na direção de Antonio, ávida por mais informações.

- Não brinca! O Messias nunca disse nada disso por aqui. Aliás, ninguém sabe nada sobre o que ele faz fora daqui. - disse a mulher enquanto outros funcionários das mesas próximas começavam a esticar as orelhas para ouvir a conversa.

 - Pois, ele é muito reservado mesmo - disse Antonio, discorrendo sobre a vida do primo como quem fala sobre a possibilidade de chuva no fim da tarde - Mas eu sou muito chegado, sabe? Ele me conta tudo.

Quando Messias voltou a sua sala, com os papéis que o primo Antonio havia pedido, se deparou com um aglomerado de seus colegas de trabalho em volta do primo.

- O que está acontecendo aqui? - perguntou Messias, com uma expressão que misturava raiva e perplexidade.

- Estou apenas conversando com seus amigos, primo. - respondeu Antonio, com um sorriso bonachão no rosto. - Contei para eles sobre a nossa amizade e como você me conta tudo da sua vida.

- Eu nunca te contei nada sobre a minha vida - disse Messias já enfurecido - o pouco que você sabe provavelmente ouviu de alguma tia fofoqueira.

- Que nada, primo! Conta pra eles sobre suas esquisitices de duvidar de tudo e de dizer que Deus não existe. - falou, incapaz de perceber o quanto estava deixando Messias desconfortável com aquela situação.

Nesse momento a paciência de Messias acabou e ele estendeu o braço com os papéis na direção de seu primo.

- Estão aqui os documentos que você me pediu. Agora, por favor, vá embora e nunca mais apareça. - disse secamente.

O sorriso no rosto de Antonio murchou e ele pegou os papéis em silêncio. Saiu sem se despedir de seus novos amigos, talvez agora consciente do mal estar que tinha causado. As pessoas voltaram lentamente para suas mesas e Messias respirou aliviado, certo de que conseguira contornar aquela situação incômoda.

Porém, quando se sentou à mesa para continuar suas tarefas, sentiu que todos os olhares estavam sobre ele. Virou-se para Clotilde que o encarava por cima dos óculos.

- Vocês não conseguem entender como alguém pode duvidar da existência de Deus, não é mesmo? - indagou Messias, já sabendo qual seria resposta. - Pois então, eu vou tentar explicar.

--*-- continua num próximo post --*--




Um comentário:

  1. Muito bom texto! Gostei muito! Tem o estilo do Hunter Thompson e o "jornalismo gonzo". Espero a continuação!

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