quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Messias, O Ateu - Final

Messias permaneceu em silêncio por alguns instantes. Todos os olhares estavam sobre ele, esperando para saber qual seria a sua reação ao que dissera Aristeu.

- Então, meu amigo, você me diz que somos dotados de livre-arbítrio - disse Messias calmamente. - E você poderia me dizer o que significa isso de fato?

 - Ora - Aristeu estava exaltado - Significa que somos responsáveis pelo que fazemos. Nossas atitudes e pensamentos é que produzem maldade no mundo. Deus não tem nada a ver com isso. Aqueles que se aproximam Dele praticam o bem, mas os que se afastam são levados para o caminho do mal. Trata-se de uma escolha.

Todos olharam para Messias. Seus rostos ansiosos aguardando pela réplica. Parecia pouco provável que ele pudesse rebater um argumento tão sólido, de alguém com tanta experiência de vida e sabedoria.

Finalmente, ele falou sem se abalar:


- Você está tentando resolver um paradoxo, criando um novo paradoxo.

O velho Aristeu ficou confuso, mas antes que pudesse interromper o raciocínio, Messias continuou em sua lógica inabalável.

- Quando você diz que temos livre-arbítrio, se esquece de que Deus é onisciente e que, portanto, conhece o presente, o passado e o futuro. Sendo assim, Ele sabe, antes mesmo de nós, aquilo que faremos, pensaremos e sentiremos. Deus sabe que uma maldade ocorrerá antes que ela de fato ocorra. Por isso, eu te pergunto: como podemos ser livres para agir e fazer escolhas, se nossas ações já são previamente conhecidas? E o que é ainda mais perturbador: se Deus conhece a maldade antes que ela aconteça e todas as coisas emanam Dele, então a maldade também é uma das faces de Deus, caso contrário, porque Ele teria criado Lúcifer, se já sabia tudo de ruim que ele espalharia pelo mundo? Bastaria para Deus não dar origem ao mal e teríamos um Universo livre de violência, crueldade, tortura, abuso, depressão, exploração e qualquer outra forma que o mal possa assumir.

Um silêncio profundo e desconfortável se seguiu a este discurso de Messias. Seus colegas de trabalho pareciam catatônicos. Alguns expressavam confusão, mas a maioria parecia ter entendido aquela lógica aparentemente irrefutável. A conversa parecia ter se encerrado tão subitamente quanto começara.

Um a um os colegas de Messias foram se dispersando. Alguns voltando para suas mesas, outros se dirigindo ao banheiro ou à mesa de café. Pouco a pouco a rotina da repartição se restabelecia. O próprio Messias voltou a cuidar do trabalho acumulado, mas percebeu com sua visão periférica que Clotilde ainda o observava. Já cansado de toda aquela situação ele se virou para ela, disposto a encerrar o assunto. No entanto, antes que pudesse articular qualquer palavra, Clotilde se antecipou e disse num tom de voz sereno, que não demonstrava reprovação e nem admitia resposta:

- Você é, sem dúvida, uma pessoa muito inteligente. Nunca permita, porém, que seu ceticismo te faça se esquecer do que disse William Shakespeare: "existem mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia".




3 comentários:

  1. Nos temos uma tendência quase genética a acreditar que existem mistérios, o discurso de Messias é do século de ouro da Grécia e continua valendo mesmo que poeticamente Shakespeare ache que existem "mistérios"

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